Para mim, o conceito de chefe nunca deveria existir. Isso pressupõe na sua raiz que alguém sabe o que é melhor para todos. Como gosto de dizer:
chefe é um líder intoxicado pelo poder, ou uma pessoa abusiva desfaçada de líder.
O problema é que nos habituamos a tudo, inclusive ao abusivo empresarial. Como diziam alguns pensadores “não confunda habitual com normal”.
Temos um fenômeno mundial, que se intensificou na pandemia, onde pessoas estão pedindo demissão dos seus trabalhos: “chega de abuso e humilhação”, diz a massa de empregados.
Eu vejo isso com bons olhos, apesar de desafiador. Recomendo a leitura, entre outras: Be a Free Range Human, de Marianne Cantwell.
Precisamos de um novo modelo de trabalho, que seja mais humano, mais criativo, mais focado nas nossas necessidades.
Quem foi que disse que precisamos de chefes?? Quem foi que disse que Deus é brasileiro?
Parece-me que muitos simplesmente aceitam essa ideia de que todo humano para trabalhar bem precisa de outro dando ordens, de chicote no lombo, como um cavalo com a vara para correr e seguir as ordens. Isso pode funcionar com cachorros e cavalos, mas humanos são diferentes.
Vou te dar um exemplo interessante.
Recentemente fui convidado para revisar um artigo científico. Enquanto revisava, pensei, que interessante: existe um contrato entre nos autores e revisores de que vamos fazer nosso trabalho, ninguém checa nosso trabalho de revisão. O sistema funciona, tem os seus problemas, mas funciona.
Precisamos desafiar essa ideia errada de que “somente se trabalha no chicote”.
Vou te dar outro exemplo, do livro de Daniel Kahneman. Quando um soldado ia mal no treinamento, o chefe grita com ele. Naturalmente, ele vai bem nos próximos exercícios. Segundo Kahneman, isso deve não ao grito, mas ao fato de que ao ir mal, ele sente isso, e melhora nos próximos.
Mesmo que haja pessoas que precisam de supervisão próximo, isso não deveria ser a regra.
Na comunicação não violenta, consideramos a perda de autonomia, que o chefe cria, uma forma de violência.
Um modelo de chefe interessante seria um que não confunda suas atribuições de chefe com sua vontade de mandar nas pessoas. Ou seja, chefia deveria ser somente um conjunto de atribuições e responsabilidades, como o trabalho de faxineiro. Contudo, nós somos como tubarões que não pode nem sentir o gosto de sangue: qualquer margem de poder sobre outro humano, abusamos. Por isso, nunca deveríamos criar essa possibilidade.
Infelizmente, chefia é criada pelos donos das empresas, que geralmente estão mais preocupados com lucros do que com a felicidade e saúde mental dos trabalhadores.
Apesar de ser engenheiro de produção, não sei o futuro do trabalho. Talvez o maior mal seja as empresas separarem imagem pública de realidade, o que se diz nos panfletos de contratação, e o que realmente vamos encontrar nos ambientes de trabalho: isso pode até funcionar a curto prazo, mas não segura o empregado, e gera prejuízos para as duas partes. Eu sou pessimista, sempre que vejo um panfleto, como vi esses dias para professor, tendo a desconfiar das palavras bonitas.
Foi necessária uma pandemia para mudar uma cultura nas empresas que ninguém conseguiu mudar, que já deveria ter sido desafiada há tempos: a flexibilidade no trabalho. O que hoje os trabalhadores descobriram, eu já sabia e defendia: não quero perder horas no trânsito, risco de ser roubado e mais, vou trabalhar em casa! Sempre insistir e não aceitei, com uma exceção que me arrependo profundamente, ideia de que somente se produz com um chefe no cangote!
O que é mais curioso, nem mesmo doutorandos e mestrandos, que basicamente ficam lendo, geralmente trabalham em casa. Os orientadores, não todos, insistem que percam horas no trânsito, para sentar e ler! Algo que uma sala tranquila e internet ia resolver.
Interação com leitores
"Ou o chefe é um ser humano cheio de necessidades não esclarecidas, que confunde pedidos com exigências e tem uma estrutura de dominação apoiando o seu comportamento?" Fonte
Perfeito, a parte mais interessante "uma estrutura de dominação apoiando o seu comportamento". Como o Marshall traz para atenção: muitas empresas possuem uma cultura onde a violência se torna agradável.
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